segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O que é essencial para todos?

   "O homem é essencialmente um ser de cultura", argumenta o professor Denys Cuche, da Universidade Paris V. A cultura é um campo do conhecimento humano que nos permite pensar a diferença, o outro, é dar um fim às explicações naturalizantes dos comportamentos humanos. As questões éticas, nacionais e de gênero, por exemplo, não podem em hipótese alguma serem observadas em seu "estado bruto". É o caso da relação homem- mulher, cujas implicações culturais são mais importantes do que as explicações biológicas.
   E por que se faz importante fazer esta breve introdução, na questão da ideia do Vale-Cultura, lançada pelo Governo Federal e atualmente em discussão com os atores sociais da área? Porque urge que nossa legislação passe por uma transformação, dado que a principal lei do setor está defasada (é de 1991) e é insuficiente para os desafios atualmente expostos.
   O conceito de "cultura" é tão reivindicado quanto controverso. ouvimos esta palavra diariamente, para os mais diversos usos: cultura política,, cultura religiosa, cultura empresarial. Também serve para complexificar e ampliar um debate sobre um tema difícil (" isso é cultura"), para finalizá-lo (" não tem jeito, isso é cultura"). São múltiplos os usos.
   Está claro que incentivar as manifestações culturais de um povo é condição indispensável para seu desenvolvimento. É certo que este instrumento deve atingir um de seus principais objetivos: a desconcentração regional e a democratização do acesso a produtos culturais. A simples injeção de R$600 milhões por mês no mercado cultural, podendo atingir até 12 milhões de brasileiros, já é um grande benefício.
   O curiosa na iniciativa do Governo, que já tramitava no Congresso desde de2006, é que a questão tardiamente (e fatalmente) gerada para reflexão; o que é essencial para todos?Se trabalhador possui o Vale Transporte e o Vale Alimentação, por que não o Vale Cultura? Este debate - e o debate é justamente este - gera reações ainda mais curiosas.
   A mais risível é a que ataca a proposta como "dirigista", afirmando que o tempo do dirigismo cultural já acabou em todo mundo. Uma simplificação melancólica e uma inverdade: governo de países que alcançaram bons índices de desenvolvimento humano investem muito mais na cultura do que no Brasil. Os ataques tem nome: são os mesmos que falam em "alta cultura" e compõem as velhas oligarquias deste setor, pois concentram por muito tempo a exclusividade dos "negócios" da cultura.Alguns chegam a duvidar da " qualidade estética" dos produtos culturais a serem consumidos.
   Estão claros os inimigos deste discurso conservador: o trabalhador, que passa a ser progressivamente um crítico de cultura, e as manifestações da cultura popular - ora atacada, por exemplo, por meio da restrição à cultura do funk carioca.
   A aprovação do Vale-Cultura será um passo importante, dentro de uma longa caminhada, para a inserção de milhões de brasileiros no universo privilegiado da cultura local, regional e nacional.

                                                                                    Jornal do Brasil, 18/7/2009;e
                                                           Fazendo Média (www.fazendomedia.com/?p=268), 26/7/2009.

                                                                                  Gustavo Barreto é produtor cultural no Rio de Janeiro e mestrado do                                     Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura na UFIRJ.

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